domingo, 6 de junio de 2021

MORTAIS PECADOS


Olho-me ao espelho, debruado a talha,

luminosamente esculpida, dourada,

e pergunto-me, pelo espanto das respostas,

na assumida personagem de rainha má,

quem sou, para o que dou, quem me dá.

Miro-me na volumetria das imagens

cobertas por peles enrugadas,

vincadamente marcadas por exageros expressivos

de choros por entre risos

plantados nos ansiosos ritmos do tempo.


Profundos e negros pontos,

poros de milimétricos diâmetros,

sombras cinzentas,

castanhos pêlos,

brancas perdidas entre cabelos,

perfil de perfeita raiz de grego,

boca carnuda, gretada de secura,

sedenta de saudosos e sugados beijos

de línguas entrelaçadas,

lambidelas bem salivadas...


Contemplo-me, fixado no meu próprio olhar,

de cor baça tristeza,

desfocando a máscara de pálido cansaço

e não resisto ao embaraço de narciso;

sou o deus que procurei e amei em cumprimento do milagre

ou o mal que de tanto me obrigar, não reneguei?

Sou o miraculoso encantador a quem me dei

ou a raposa velha, vaidosa, vestida de egoísta,

com estola de alva ovelha, falsa de altruísta?


No meu lamento, a amargura, por que matei;

sangrando a vítima, trucidei-a num ranger de molares,

saboreei com as gustativas variados paladares,

viciado no prazer da gula,

como instintivo porco,

omnívoro...


Rezo baixinho, cantarolando,

beatas ladainhas de pecador,

que rouba e se perdoa

a cem anos de encarceramento.


No aliciamento cobiçante, por belas coxas,

pertença de quem constantemente me enfrenta,

competindo com as mesmas forças,

traindo-me na existência do meu possuir;

viradas as costas, acabamos sempre por fingir.


Entendo velhos e sábios ditados,

não os querendo surdinar em consciência.

Penso de mim; importância demais,

e que outros possam entender,

como comuns mortais;

minha é a inteligente certeza

de querer enganar e vencer.


Sadicamente esbofeteio rechonchuda face

de idealista tímido,

que acredita e se deixa humilhar;

dá-me a outra, para também a avermelhar.


Vendo-me a infinitas e elegantes riquezas;

luxúrias terrenas, orgias, bacantes incestuosas,

sedas, glamour, jóias preciosas,

o que tenha etiqueta de marca,

marcantemente conotada,

que pavoneie a intensa profundidade da minha alma.

Ah! Ah!...


Salvas rebuscadas, brilhantes, de prata, pesadas,

riscadas de branco e fino pó...

Prostituo-me ao preço de uma mais-valia,

excita-me de travesti Madalena,

ter um guru para me defumar, benzer e perdoar,

sem que me caia uma pedra na cauda.


Adoro o teatro espectacular,

encenado e ensaiado em vida,

mas faço sempre de pobre amador,

sendo um resistente actor.

Escancaro a garganta para trautear,

sem saber, nem sequer solfejar

e gargarejo a seiva da videira,

que me escorre pelo escapismo de meu engano,

querendo audaciosamente brilhar,

descontrolando o encarrilhar do instrumento das cordas da glote,

com o do fole pulmonar,

e desafino o doce e melódico hino.


Sou no vedetismo a mediocridade,

que se desfaz com o tempo,

até ser capaz de timbrar sem ser pateado.


Acelero nas viagens que caminham até mim,

fujo do lento e travo demais;

curvas perigosas, apertadas,

que me adrenalinam na fronteira do abismo.

Fumo, bebo em excesso

e converso temas banais por entre ondas móveis,

que me encurtam a pomposa solidão,

mas nada é em vão.


Tenho na dicção um tom vibrado e estudado

de dizer bem as palavras que sinto,

mas premeditadamente minto

e digo de propósito, sempre o errado.


Sou mal-educado, demasiado carente, enfadonho,

que ressona e grunhe durante o sono.

Tenho sempre o apressado intuito do saber,

de querer arrogantemente chamar a atenção,

por me achar condignamente o melhor, um senhor,

sem noção do que é a razão e o ridículo.


Digo não, quando deveria pronunciar sim.

Teimosamente rancoroso, tolo, alucinado, perverso, mal-humorado,

vejo em tudo a maldade do pecado.

Digo não, quando deveria embelezar a afirmação.


Minto, digo e desfaço-me propositadamente em negação.


Mas, fiz a gloriosa descoberta de meu crescer,

tenho uma virtuosa e única qualidade;

alguém paciente gosta muito de mim.


Obrigado!


Tenho que descansar.


João Marques Jacinto


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