miércoles, 25 de marzo de 2020
FOI NA DOBRA
Foi na dobra do tempo que nos encontrámos. Essa curta e estreita passagem entre dois abismos aberta.
Dois seres lutando contra os gigantes da vida apenas com a espada e a armadura do amor.
Foi na penumbra dos dias que nos afastámos: fresca raiz arrancada à terra húmida.
O bosque guarda as vozes das nossas brincadeiras, acompanhadas de risos que corriam na brisa primaveril.
Resta agora a memória feliz daqueles tempos. Mergulho na floresta e guardo os soluços em cálices no altar das copas das árvores. Sopram hinos, sinfonias que me falam de ti. Os risos misturados nos sussurros do riacho e no coro das aves.
És dor cortante dos dias, só apaziguada nesta catedral verde, onde pairam ainda os sonhos suspensos que somos. E é neste espaço que o abismo aberto da tua ausência se enche de lembranças do que fomos. E procuro a essência que és, nos caminhos tantas vezes percorridos. E é na tua presença sagrada que descanso a angústia das horas. É no bálsamo do amor partilhado, cantado nos ramos das árvores, que encontro paz, no que não faz sentido. Chamo por ti, nessas caminhadas infinitas e tua voz vem na frescura da brisa, no silêncio da neve, no olhar inquieto de um animal. Estás, és nessa ausência física, que tanto atormenta meu ser. O frio do inverno percorre-me as veias, mas não o sinto nesta busca incessante de ti.
Talvez esta busca, talvez este vazio apenas tenha fim nesse trilho sem volta mas, até lá, encho meu ser do antes que fomos, que ameniza a dor tornada loucura. Se é na loucura que te encontro, é nesse abismo que me deito, nestes dias que me sobram.
Caminho, caminho e caminho sempre até as forças soçobrarem. Caminho sempre, cada dia, passeando o vale da minha morte, já que a luz se foi, para sempre, contigo. E nestes dias cinzentos, procuro a noite que me leva até ti.
A tua essência é cada dia mais palpável. Com a fraqueza do corpo, tornas-te real. E é esse vislumbre de felicidade, esse farol destes dias tempestuosos, que te sinto real.
Se continuar a caminhar, se não parar, sei que estarás, para me levar até esse destino último dos tempos. E repousarei na morte, a vida devolvida.
FÁTIMA NASCIMENTO
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